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Escolas da Vida

No circo, na dança, na música: vivendo e aprendendo  

Por Aline Fiuza, Anabelle Amorim, Laryssa Ferraz e Vitorino Silva

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o Brasil, a educação é almejada como base de todos os nossos sonhos. Tudo seria construído partindo da ideia de que fortalecer a educação é o caminho mais rápido para o desenvolvimento máximo de todas as potencialidades do brasileiro.

Ao longo de algumas décadas, nosso país passou por diversas mudanças importantes na educação. De fato, houve melhorias em infraestrutura, no corpo docente, na ampliação do acesso ao ensino e queda nas taxas de analfabetismo. Mas, chegamos a 2019.

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O atual governo parece retroceder. Lembramos que, por anos, o governo incentivou o “aprender brincando” em escolas e universidades de todo o país – característica que era destaque nas principais reportagens da editoria de educação. Agora, esse mesmo tema é tratado como uma simples balbúrdia que não interessa mais aos investimentos da área, o que resultou em cortes. Na Universidade Federal do Cariri, 47% da verba para 2019 está bloqueada.

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O consenso em torno da educação parece estar caindo por terra e as formas de educar precisaram tomar novos rumos, ir para a rua. E saberes populares, antes menosprezados, ganham força através de projetos que buscam educar jovens e adolescentes, explorando o lado artístico de cada um e impulsionando o crescimento como ser humano dos alunos envolvidos.

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Trazendo de volta o lado lúdico, artístico e acolhedor da educação fomos conhecer três escolas que estão fora do circuito de ensino tradicional e que transpassam as paredes do significado de escola, oferecendo aos seus alunos a chance de aprender coisas que só a vida seria capaz de ensinar, da melhor maneira possível: brincando!

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O Circo Escola Sangine, em Juazeiro do Norte, a Escola de Saberes de Barbalha e a Vila da Música, em Crato, apesar de utilizarem alguns métodos comuns na educação formal, oferecem a expansão da sala de aula: o diploma fornecido por elas dá mais que uma profissão, retira crianças e jovens das ruas e oferece uma nova oportunidade de vida. Vamos conhecê-las?  

Circo Escola Sangine 

Educar através da arte e estimular a criatividade das crianças: esse é o foco principal do Circo Escola Sangine. Localizado em Juazeiro do Norte, o projeto social que antes se chamava Enigmas Circo Escola Pequenos e Grandes, começou sua história no bairro João Cabral, em 2008. A escola mantinha uma parceria com um grupo de hip-hop chamado Enigmas mas, quando os grupos se separaram, o circo escola continuou a desenvolver seus trabalhos, porém com um nome diferente. Sangine, que pode ser entendido como o contrário de Enigmas, significa transparência, ame e imagine. Desde 2011, o projeto funciona em sua própria sede, no bairro Triângulo. 

 

Comandado por Josivan Lima, fundador da escola, o Sangine conta com 15 pessoas na coordenação e cerca de 150 crianças cadastradas. O artista relata que a vontade de ter sua própria escola de circo nasceu lá em 2006, na cidade de Missão Velha. “Eu me encantei pela parte do circo quando eu vi esses circos tradicionais vindo pra cá, quando eu ia assistir aos shows. Me encantei com os palhaços, com a magia do circo. Aí, na verdade, comecei a fazer esse trabalho em Missão Velha, que foi onde eu já tive a primeira oportunidade, uma bolsa, e estava trabalhando de carteira assinada também. Fazendo o que gosto e ganhando para isso. Depois de lá tive a ideia de montar o projeto, no caso o Circo Sangine."

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Eu me encantei pela parte do circo quando eu vi esses circos tradicionais vindo pra cá, quando eu ia assistir aos shows. Me encantei com os palhaços, com a magia do circo.

Mesmo sendo uma instituição consolidada, nesses 12 anos de funcionamento o circo escola nunca recebeu apoio governamental e está sempre precisando de doações e voluntários para se manter. A escola conta apenas com a ajuda do projeto Mesa Brasil Sesc, que garante doações de alimentos para as crianças. Mas, em meio às dificuldades, é visível a importância de sustentar o projeto por parte dos envolvidos. “Infelizmente, é nós e nós e nós. Eu já pensei muito em desistir, mas eu vejo isso como uma missão para mim. A gente não cobra para essas crianças estarem aqui, inclusive a gente faz é gastar, para fazer o que gostamos e ainda somar na vida dessas famílias” diz Josivan.

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A instituição conta com oficinas de perna de pau, acrobacia aérea, entre outras atividades circenses. Também são lecionadas aulas de dança com a professora Fabiana Bernadino e aulas de capoeira ministradas pelo professor William Barbosa, ambos membros voluntários. William, de 27 anos, treina capoeira desde os oito anos e conheceu o Sangine pelas apresentações e trabalhos que a escola promove pelos bairros.

Foto: Espedito Duarte

Professor do circo escola há mais de cinco anos, ele conta sobre a importância de projetos como esse em bairros mais carentes: “Sempre morei em bairros carentes. Sempre tive necessidade, sempre passei precisão. E eu via nos outros uma coisa que eu passei quando criança. Quando eu comecei a lecionar aula de capoeira foi com esse intuito de ajudar e passar aquilo que eu não tive para os meus alunos.”

Além de todas as atividades oferecidas, o Sangine também realiza eventos em datas comemorativas como São João, Dia das Crianças e Natal, quando Josivan vai em busca de patrocínio e de doações para presentear as crianças. A trupe do circo escola também trabalha há mais de dois anos no projeto Não Dê esmola Dê Futuro em parceria com a prefeitura. Nessa ação eles visitam escolas e comunidades, fazendo apresentações para alertar as pessoas acerca do trabalho infantil. Tudo focado não só no aprendizado artístico, mas também na cidadania e no bem estar humanitário de crianças e adolescentes.

Josivan Lima, idealizador do Circo Escola Sangine.

Serviço

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Endereço: Rua Maria Dantas de Medeiros, n° 111 - Triângulo, Juazeiro do Norte - CE

 

Atividades realizadas: aulas de capoeira, dança e atividades circenses

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Funcionamento de segunda à sexta no turno noite

Introducao
Sangine
Escola dos saberes

ESBA - Escola de Saberes

de Barbalha 

“Quem abre uma escola, fecha uma prisão”. A frase do escritor francês Victor Hugo, escrita no século XIX, ainda é atual para a Escola de Saberes de Barbalha, que se constituiu como câmara e delegacia pública da cidade. No entanto, o espaço se tornou uma escola nada convencional e uma organização não-governamental no século XXI.
 

O projeto ganhou vida em 22 de dezembro de 2016, e hoje, continua contemplando cada vez mais uma diversidade de saberes da cultura nordestina como cinema, música, literatura, danças dramáticas e folguedos, festas e religiosidades populares, dentre tantas outras expressões culturais e artísticas, tradicionais e contemporâneas.

 

A Escola de Saberes surge com peculiaridades, pois não é uma instituição para criar cultura, já que a cultura popular é espontânea e herdada de geração em geração. Assim, a ESBA funciona mais no sentido de articulação, promoção e defesa da sustentabilidade cultural. Há uma quebra de paradigmas na hierarquia dos saberes dando lugar ao compartilhamento. É um lugar de troca de experiências, conhecimentos e vivências na comunidade que independem da idade.

Quem abre uma escola, fecha uma prisão.

Victor Hugo, filósofo francês. 

Dessa forma, tanto crianças como adolescentes, jovens, adultos e idosos são bem-vindos a participar dessa permuta de saberes culturais, dentro de uma perspectiva de experiências, atividades e dinâmicas abertas e interativas. O objetivo é que esses encontros sejam produtivos para trocas de saberes e, mais do que a vida na escola, seja uma escola da vida.

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Segundo Josier Ferreira, presidente da ESBA, “a Escola de Saberes se coloca como uma instituição de apoio no sentido de valorização e reivindicação de políticas públicas no campo de garantia da salvaguarda da cultura imaterial, e é um movimento em que a promoção não se dá através dos protagonistas que nela se envolvem, mas através do protagonismo dos próprios saberes herdados existentes na comunidade.”
 

Assim, o prédio histórico vai além das salas de aula. A escola dispõe de auditório, espaços para exposições e uma biblioteca que contém mais de 20 mil volumes de livros, a maioria vindos de Portugal. Além disso, há também um centro de memória, acervo audiovisual, loja de artesanato, escritórios e terreiros de folia na instituição.

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A manutenção e aquisição de bens móveis para a escola é feita através de concorrência de projetos, concessões de políticas públicas de editais e doações de outras instituições. Por conta disso, as verbas não são suficientes para a manutenção do prédio, que apresenta alguns problemas estruturais, já que é uma construção muito antiga. Os trabalhos também são condicionados por voluntários - sociólogos, historiadores, antropólogos, advogados e outras áreas do campo científico atuam dentro da escola, enriquecendo as atividades realizadas pela  ESBA.

Palácio 3 de Outubro

Com 142 anos de construção, o palácio permanece imponente no centro da cidade de Barbalha. 

A arquitetura do lugar também é um convite para vislumbrar resquícios do século XIX. Barbalha é o município que mais concentra edificações históricas no Cariri, representado por sobrados e casarões, com características urbanas que contrastam com a arquitetura moderna e pós-moderna. Assim, é uma cidade com grande potencial turístico, histórico, sociológico e antropológico.

Josier Ferreira, presidente da Escola de Saberes de Barbalha.

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Serviço

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Endereço: Rua Senador Alencar, 368 - Centro, Barbalha - CE

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Cursos ofertados: simpósios, oficinas, exposições, rodas de conversa e palestras

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Funcionamento de segunda à sexta nos turnos manhã e tarde

Vila da Música 

O projeto Vila da Música, em Crato, revela a importância da musicalidade como um instrumento de ensino que transborda para além das salas de aula. A música se mostra não só como mais uma formação acadêmica, mas como um grande agente transformador de vidas. Uma maneira de formar cidadãos que cantam e tocam seus princípios.

 

Inaugurada em 2017, a Vila da Música é um equipamento cultural do governo do Ceará voltada para a formação em música, a partir da experiência realizada pela Sociedade Lírica de Belmonte (Solibel), fundada pelo Padre Ágio Augusto Moreira, na década de 1970. A escola tem como objetivo a socialização, a formação humana e o ensino musical, fomentando a cidadania através da educação e criando oportunidades para o desenvolvimento humano, econômico e territorial sustentável da região do Cariri. 

 

A instituição conta com auditório, biblioteca, salas de aula de grupo e individuais, estúdio, setor administrativo, refeitório, cozinha, despensa, vestiários, banheiros, laboratório de informática, oficina de instrumentos, quadra poliesportiva e estacionamento. Além disso, apresenta uma estrutura acessível para todo público.

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Hoje o Cariri já está na pirâmide, tem o ensino básico da Vila da Música, o ensino tecnológico e a universidade. Então, você fechou essa pirâmide de ensinamento da música erudita.

A escola possui 19 professores, sendo 90% deles frutos dos ensinos do Padre Ágio. Hoje, o projeto atende cerca de 600 estudantes, entre crianças, jovens e adultos, com cursos totalmente gratuitos. No ato da inscrição, a instituição pede apenas a doação de algum material que será utilizado durante o ano, visando a diminuição de gastos. 

 

Maestro da orquestra Padre Davi Moreira e da orquestra mirim da Vila da Música, o professor Marcelo Rodrigues falou sobre a importância do projeto para a comunidade, principalmente tendo a música como instrumento de formação pessoal dos estudantes. “A importância não é só para a comunidade, mas para o ser é mais que importante, porque a música ela consegue agregar, educar, emocionar e transformar, como transformou a minha vida”.

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“A música além de ser uma arte, é uma forma de bem-estar. A gente tem uma vida muito corrida e a música, além de uma oportunidade de aprender algo diferente, é uma fuga da nossa realidade mais estressante, do estudo, do trabalho. E para a comunidade eu vejo também como uma oportunidade de sair de qualquer caminho negativo para algo positivo. E é algo que eu ainda não vejo na região tantas oportunidades como a gente tem aqui na escola”, explica Felipe Saraiva, estudante de violino.

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Segundo Valéria Pinheiro, supervisora técnica da Vila da Música, "hoje o Cariri já está na pirâmide, tem o ensino básico da Vila da Música, o ensino tecnológico e a universidade. Então, você fechou essa pirâmide de ensinamento da música erudita."

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Apresentação do Quarteto Solibel da Vila da Música na Igreja de São Francisco de Assis, no natal de 2017.  

Em 2019, o projeto inovou seu plano pedagógico, propondo a mistura do erudito e do popular, com o objetivo de que todos os alunos possam ter acesso não só à música erudita, que é a base, mas também à musicalidade popular caririense. O equipamento promete programação intensa durante todo o ano com novidades, ações de formação, cursos de especialização, festivais e mais encontros. Uma iniciativa que preserva a cultura do Cariri e que vem transformando vidas através da música. 

Valéria Pinheiro, supervisora técnica da Vila da Música.

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Serviço                                  

Endereço: Avenida José Horácio Pequeno, 1335-1367, Crato - CE

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Cursos ofertados: musicalização infantil; aulas dos instrumentos de cordas, sopro, teclas e percussão; coral e teatro

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Funcionamento de segunda à sexta nos turnos manhã, tarde e noite 

VilaDaMusica
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